"Zero to One" de Peter Thiel para Advogados
E se a competição for para perdedores? Peter Thiel, cofundador do PayPal, desafia a advocacia a parar de competir e começar a criar. Descubra como aplicar os princípios de "De Zero a Um" para construir um escritório monopolista, encontrar "segredos" no mercado jurídico.
O mercado jurídico brasileiro é, por definição, um oceano vermelho de competição. Milhares de novos advogados ingressam na carreira todos os anos, disputando os mesmos clientes, atuando nas mesmas áreas e utilizando estratégias de marketing semelhantes. Nesse cenário, a sabedoria convencional nos ensina a competir com mais afinco: ter um site melhor, um preço mais competitivo, um networking mais agressivo. E se tudo isso estiver errado? É essa a provocação central de "Zero to One: Notes on Startups, or How to Build the Future" (publicado no Brasil como "De Zero a Um: O que Aprender sobre Empreendedorismo com o Vale do Silício") de Peter Thiel, cofundador do PayPal e um dos mais influentes investidores do mundo. Thiel argumenta que a competição é para perdedores. Vencedores criam monopólios. A missão deste post é traduzir essa filosofia contraintuitiva para a realidade da advocacia brasileira, mostrando como os advogados podem parar de competir e começar a criar.
Thiel estabelece uma distinção fundamental entre dois tipos de progresso: horizontal e vertical. O progresso horizontal, ou ir de 1 a n, significa copiar algo que já funciona. É o que a maioria dos escritórios de advocacia faz: vê um modelo de sucesso em uma área (como Direito de Família ou Tributário) e o replica em sua cidade. É a globalização da advocacia. O progresso vertical, ou ir de 0 a 1, significa criar algo inteiramente novo. É a invenção, a tecnologia. É o advogado que, em vez de apenas oferecer serviços de adequação à LGPD, cria um software que automatiza a gestão de consentimento para pequenas empresas. Enquanto o progresso horizontal leva a uma competição acirrada que achata as margens de lucro, o progresso vertical permite a criação de um monopólio, um espaço onde a competição se torna irrelevante.
O conceito de monopólio em Thiel não tem a conotação negativa de exploração de preços, mas sim a de ser tão bom em algo único que nenhuma outra empresa pode oferecer um substituto próximo. Pense no Google no mercado de buscas. Para um advogado, um monopólio criativo não significa controlar todo o mercado jurídico, mas sim dominar um nicho específico de forma tão completa que se torne a referência absoluta. Pode ser um escritório que se especializa em direito espacial para startups de satélites, ou um advogado que se torna a maior autoridade do Brasil em tributação de criptoativos. Em vez de tentar ser um bom clínico geral, o caminho de "zero a um" na advocacia é se tornar o melhor especialista do mundo em um problema muito específico. Esses monopólios criativos desfrutam de lucros sustentáveis, que lhes dão a liberdade de pensar a longo prazo, investir em sua equipe e, crucialmente, inovar ainda mais.
Para construir um monopólio, é preciso ter um otimismo definido. Thiel classifica as visões de futuro em quatro quadrantes. O pessimista indefinido acredita que o futuro será sombrio e não tem ideia do que fazer. O pessimista definido acredita que o futuro será sombrio e sabe exatamente como se preparar para o desastre. O otimista indefinido, que segundo Thiel caracteriza a sociedade ocidental atual, acredita que o futuro será melhor, mas não tem um plano concreto para isso; ele espera que as coisas simplesmente melhorem. É o advogado que diversifica suas áreas de atuação, esperando que uma delas "dê certo". O otimista definido, por outro lado, acredita que o futuro será melhor porque ele tem um plano para torná-lo melhor. Ele tem uma visão clara de como o mercado jurídico deveria ser e trabalha ativamente para construir essa visão. É o advogado que aposta todas as suas fichas na criação de uma boutique especializada em um nicho emergente, porque ele tem um plano detalhado de como se tornar o líder desse mercado.
O caminho para o otimismo definido passa por responder a sete perguntas cruciais que todo novo empreendimento (ou novo escritório/área de atuação) deve responder. A Questão da Engenharia: sua solução é 10 vezes melhor que as alternativas existentes? Um software de gestão de contratos que é apenas 10% melhor que os concorrentes não vai gerar tração. Ele precisa ser uma ordem de magnitude superior. A Questão do Timing: este é o momento certo para iniciar seu negócio? Lançar uma consultoria de LGPD em 2015 seria prematuro; em 2020, foi o momento perfeito. A Questão do Monopólio: você está começando com uma grande fatia de um mercado pequeno? Em vez de tentar abocanhar 1% do gigantesco mercado de contencioso cível de São Paulo, domine 80% do mercado de assessoria jurídica para foodtechs de Curitiba. A Questão das Pessoas: você tem a equipe certa? Um escritório que quer ser uma potência em tecnologia precisa de advogados que entendam de código, não apenas de leis. A Questão da Distribuição: você tem uma maneira de entregar seu produto? O melhor parecer jurídico do mundo é inútil se você não tiver um canal para vendê-lo a quem precisa. A Questão da Durabilidade: sua posição de mercado será defensável daqui a 10 ou 20 anos? Seu monopólio se baseia em uma marca forte, em efeitos de rede, em tecnologia proprietária ou em economias de escala? A Questão do Segredo: você identificou uma oportunidade única que os outros não veem?
Este último ponto, o segredo, é o coração da filosofia de Thiel. Um segredo é uma verdade importante que poucas pessoas conhecem. Grandes empresas são construídas sobre segredos. O segredo do Airbnb foi que pessoas estariam dispostas a alugar um quarto na casa de estranhos. Na advocacia, um segredo pode ser uma nova interpretação de uma lei, uma ineficiência no sistema judicial que pode ser explorada com tecnologia, ou uma necessidade jurídica não atendida de um nicho de mercado emergente. Encontrar esses segredos exige pensamento contraintuitivo e a coragem de questionar as convenções do mercado. A pergunta que todo advogado inovador deve se fazer é: "Qual verdade importante sobre o mercado jurídico pouquíssimas pessoas concordam comigo?".
Thiel também destrói o mito de que "um bom produto se vende sozinho". A venda e a distribuição são tão importantes quanto o produto em si. Muitos advogados, especialmente os mais técnicos, têm aversão a vendas, considerando-a uma atividade menor. Isso é um erro fatal. Um escritório precisa ter uma estratégia clara de como vai alcançar seus clientes. Para serviços jurídicos de alto valor (acima de R$ 100.000), a venda complexa, liderada pessoalmente pelos sócios, é o caminho. Para serviços de valor intermediário, uma equipe de vendas diretas pode ser necessária. Para serviços de baixo custo e alto volume, como a elaboração de documentos padronizados, o marketing viral e de conteúdo se tornam cruciais. O importante é que o custo de aquisição de um cliente (CAC) seja significativamente menor que o valor que esse cliente gera ao longo de seu ciclo de vida (LTV). Um escritório só tem um negócio sustentável se dominar pelo menos um canal de distribuição eficaz.
Finalmente, nada disso é possível sem uma base e uma cultura sólidas. As decisões tomadas no dia da fundação de um escritório são as mais difíceis de mudar. A escolha dos sócios, a definição da cultura e o alinhamento de visões são fundamentais. Thiel valoriza equipes coesas, quase como um culto, onde todos compartilham uma paixão pela missão da empresa. No contexto jurídico, isso significa construir uma equipe de advogados que não estão ali apenas pelo salário, mas porque acreditam na visão do escritório de transformar uma determinada área do direito. Uma cultura forte, baseada em valores compartilhados e comportamentos observáveis, é o que permite a um escritório atrair e reter os melhores talentos e navegar pelos desafios inevitáveis do crescimento.
Para a advocacia brasileira, "De Zero a Um" é um chamado à ação. É um convite para abandonar a mentalidade de rebanho e a competição destrutiva. Em vez de lutar por uma fatia cada vez menor de um bolo que não cresce, os advogados têm a oportunidade de criar bolos inteiramente novos. Isso exige coragem, visão e um plano definido. Exige a busca por segredos, a obsessão por um nicho e a construção de um monopólio criativo. O futuro da advocacia não pertence àqueles que copiam o passado, mas àqueles que têm a audácia de inventá-lo.