"Willpower Doesn't Work" de Benjamin Hardy para Advogados
Advogados são vistos como mestres da disciplina, mas a verdade é que a força de vontade é um recurso finito e falho. Benjamin Hardy, em "Força de Vontade não Funciona", propõe uma revolução: em vez de lutar contra si mesmo, mude seu ambiente. Este post adapta essa ideia para a advocacia brasileira.
No panteão das virtudes profissionais, poucas são tão reverenciadas na advocacia quanto a força de vontade. A imagem do advogado resiliente, que sacrifica noites de sono para cumprir um prazo, que estuda incansavelmente para dominar uma nova tese jurídica e que resiste a todas as distrações para se manter focado, é um arquétipo celebrado. Acreditamos que o sucesso é forjado na bigorna da autodisciplina, e que a capacidade de se forçar a fazer o que é difícil, dia após dia, é o que separa os grandes juristas dos meramente competentes. Contudo, a obra provocadora do psicólogo organizacional Benjamin Hardy, "Willpower Doesn't Work" (publicada no Brasil como "Força de Vontade não Funciona"), lança uma bomba sobre esse pilar da cultura jurídica. Hardy argumenta, com base em uma sólida pesquisa psicológica, que a força de vontade não é uma estratégia confiável para o sucesso a longo prazo; na verdade, é um recurso finito que se esgota com o uso, como um músculo fatigado. A tentativa de depender exclusivamente da força de vontade para alcançar metas ambiciosas é, segundo ele, uma receita para o fracasso e a frustração. Para o advogado brasileiro, imerso em uma rotina de alta pressão e demandas incessantes, essa ideia é ao mesmo tempo herética e libertadora. Ela sugere que a dificuldade em manter a disciplina não é uma falha de caráter, mas sim o resultado de uma estratégia equivocada, e aponta para um caminho muito mais poderoso e sustentável: a engenharia consciente do nosso próprio ambiente.
Hardy começa desmistificando a natureza da força de vontade. Longe de ser uma fonte inesgotável de determinação, ela opera como uma bateria que se descarrega ao longo do dia. Cada decisão que tomamos, desde a mais trivial (o que comer no almoço) até a mais complexa (qual linha de argumentação seguir em um recurso especial), consome uma pequena porção dessa energia. Ao final de um dia exaustivo, repleto de audiências, negociações tensas e redação de peças complexas, a bateria da força de vontade do advogado está perigosamente baixa. É nesse momento que a tentação de procrastinar o estudo para uma pós-graduação, de pular o treino na academia ou de ceder a uma alimentação pouco saudável se torna quase irresistível. O problema, argumenta Hardy, é que a própria necessidade de usar a força de vontade já sinaliza um conflito interno. Se você precisa se "forçar" a prospectar novos clientes ou a escrever um artigo para fortalecer sua marca pessoal, é porque existe uma parte de você que não está totalmente alinhada com esse objetivo. Em vez de travar uma batalha interna diária, a solução é parar de lutar e começar a projetar. A proposta central do livro é uma mudança radical de foco: em vez de tentar mudar a si mesmo de dentro para fora, mude o ambiente ao seu redor para que seus objetivos se tornem o caminho de menor resistência.
O conceito mais poderoso de Hardy é que o ambiente molda o indivíduo de forma muito mais decisiva do que a força de vontade. Nós não operamos no vácuo; somos produtos diretos dos contextos em que estamos inseridos. Para ilustrar, ele usa a famosa analogia das pulgas em um pote: quando o pote está aberto, as pulgas saltam para fora facilmente; mas se uma tampa é colocada, elas rapidamente aprendem a saltar apenas até a altura da tampa. O mais chocante é que, mesmo depois que a tampa é removida, as pulgas continuam a saltar baixo, condicionadas pelo limite que lhes foi imposto. Para a advocacia, essa metáfora é assustadoramente precisa. Um advogado júnior brilhante e ambicioso que entra em um escritório com uma cultura tóxica, onde a mediocridade é tolerada, a inovação é desencorajada e as horas de trabalho improdutivas são vistas como um símbolo de status, é como uma pulga em um pote com tampa. Não importa quanta força de vontade ele tenha, as regras não escritas do ambiente limitarão seu crescimento. Ele aprenderá a não "saltar muito alto", a não questionar o status quo, a não propor novas ideias. Por outro lado, um ambiente enriquecido – um escritório que investe em tecnologia, que incentiva o debate intelectual, que celebra a prospecção de novos nichos e que promove um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal – exige que seus membros se tornem melhores. O ambiente não apenas permite, mas demanda o crescimento. A lição para o advogado é clara: em vez de se perguntar "Como posso ser mais disciplinado?", a pergunta correta é "Estou no ambiente certo para me tornar a versão de mim mesmo que desejo ser?".
Transformar essa teoria em prática exige a criação deliberada de funções de força (forcing functions), que são fatores situacionais autoimpostos que tornam o comportamento desejado inevitável e o indesejado, impossível. É aqui que a genialidade da abordagem de Hardy se revela. Em vez de confiar na força de vontade para resistir a uma distração, você elimina a distração do seu ambiente. Um advogado que precisa redigir uma apelação complexa e sabe que é propenso a checar as redes sociais a cada dez minutos pode aplicar essa ideia de forma radical: deixar o smartphone em outra sala, usar um software que bloqueia sites de distração por um período pré-determinado ou até mesmo ir para uma biblioteca ou sala de reuniões onde o acesso à internet é limitado. Ele não está resistindo à tentação; ele está removendo a opção de ceder a ela. Outro exemplo poderoso é o compromisso público. Um advogado que deseja se tornar uma autoridade em Direito Digital pode se comprometer publicamente, em seu perfil no LinkedIn, a publicar um artigo sobre o tema a cada quinze dias. A pressão social e o medo de não cumprir a promessa pública se tornam uma função de força muito mais poderosa do que a mera "vontade" de escrever. Da mesma forma, investir uma quantia significativa de dinheiro em um curso de especialização de ponta ou em uma mentoria cria um compromisso financeiro que torna o abandono do projeto muito mais custoso e, portanto, menos provável.
Hardy também enfatiza a importância de projetar o ambiente social. As pessoas com quem nos cercamos definem nossas expectativas e nossas ambições. Se um advogado passa a maior parte do tempo com colegas que apenas reclamam dos clientes, do judiciário e da profissão, sua mentalidade inevitavelmente será contaminada por esse pessimismo. Por outro lado, ao se juntar a um grupo de estudos para um concurso público de alto nível, a um grupo de mastermind com outros sócios de escritórios inovadores ou ao buscar ativamente a mentoria de um jurista que admira, ele se insere em um contexto onde a excelência é a norma. A pressão para acompanhar o ritmo do grupo, para contribuir com as discussões e para aplicar os aprendizados se torna um motor de crescimento externo. Isso transcende a força de vontade; é a conformidade com um padrão mais elevado estabelecido pelo ambiente social. Para o advogado em início de carreira, isso pode significar escolher um escritório não apenas pelo salário, mas pela qualidade dos profissionais com quem irá trabalhar. Para o sócio-gestor, significa ser implacável na contratação, buscando não apenas competência técnica, mas também uma mentalidade alinhada com a cultura de crescimento que deseja construir.
Um dos aspectos mais contraintuitivos para a cultura da advocacia é a ênfase que Hardy coloca no descanso e na recuperação como ferramentas de alta performance. A profissão jurídica muitas vezes glorifica o "burnout" como uma medalha de honra. Hardy vira essa lógica de cabeça para baixo, argumentando que os verdadeiros insights, as melhores ideias e a clareza estratégica não surgem durante o trabalho frenético, mas em períodos de descanso deliberado. Ele defende a prática de agendar "dias desconectados" – dias inteiros sem e-mails, sem telefone e sem trabalho, dedicados a pensar, ler, aprender ou simplesmente relaxar. Para um advogado, isso pode parecer um luxo impossível. No entanto, é nesses momentos de distanciamento que a mente consegue processar informações, conectar ideias de forma criativa e enxergar a solução para um problema jurídico complexo que parecia insolúvel em meio ao caos do escritório. Além disso, o descanso adequado não é inimigo da produtividade; é seu pré-requisito. Somente ao se desligar completamente é que se pode voltar ao trabalho com energia e foco renovados. Institucionalizar essa prática, seja através de uma rotina matinal que inclua meditação ou escrita em um diário antes de mergulhar nos e-mails, ou garantindo "mini-férias" regulares, é uma forma de projetar um ambiente que promove a sustentabilidade e a criatividade, em vez de depender da força de vontade para sobreviver à exaustão.
Em suma, "Força de Vontade não Funciona" oferece ao advogado brasileiro um novo e poderoso manual de operações para a vida profissional. A mensagem é um convite para abandonar a luta interna e se tornar um arquiteto de ambientes. Pare de se culpar por não ter "disciplina" suficiente para resistir às distrações e, em vez disso, crie um espaço de trabalho à prova de interrupções. Pare de tentar se "motivar" para prospectar clientes e, em vez disso, crie sistemas de compromisso público e responsabilidade social que o impulsionem a agir. Pare de acreditar que o sucesso vem de trabalhar mais horas e, em vez disso, projete uma rotina que intercale períodos de foco intenso com descanso e recuperação de alta qualidade. Ao transferir a responsabilidade da sua força de vontade para o seu ambiente, você não está terceirizando seu sucesso; está, na verdade, criando as condições inevitáveis para que ele floresça. Para uma profissão definida pela lógica e pela estratégia, talvez a estratégia mais lógica de todas seja reconhecer os limites da nossa própria mente e construir um mundo ao nosso redor que nos eleve, por padrão, à nossa melhor versão.