Ir para o conteúdo

"The Making of a Manager" de Julie Zhuo para Advogados

A transição de advogado para sócio-gestor é um desafio. Julie Zhuo, ex-VP do Facebook, oferece um guia prático para essa jornada. Aprenda a dominar o feedback, a comunicação e a gestão de equipes, adaptando as lições de "A Criação de um Gestor".

Na carreira jurídica, a excelência técnica é frequentemente a medida primária de sucesso. O advogado que domina a doutrina, redige as melhores peças e vence os casos mais complexos é naturalmente promovido. Contudo, em um determinado ponto da trajetória, muitos desses profissionais brilhantes se deparam com um desafio para o qual sua formação não os preparou: a gestão de pessoas. A transição de advogado sênior para sócio-coordenador ou gestor de uma área é uma das mais difíceis na advocacia. É para iluminar essa jornada que a obra "The Making of a Manager" (publicada no Brasil como "A Criação de um Gestor") de Julie Zhuo, ex-vice-presidente de design de produto do Facebook, se torna uma leitura essencial. Zhuo, que se tornou gestora aos 25 anos, oferece um guia prático e honesto sobre o que significa liderar uma equipe. A missão deste post é traduzir seus valiosos ensinamentos para o contexto específico dos escritórios de advocacia no Brasil.

O primeiro e talvez mais crucial passo na jornada de um novo gestor, segundo Zhuo, é o desenvolvimento da autoconsciência. O advogado recém-promovido a sócio precisa entender que seu papel mudou fundamentalmente. Seu sucesso não é mais medido por sua produção individual — o número de petições que redige ou as audiências que realiza —, mas sim pelo sucesso e pelo crescimento de sua equipe. Isso exige uma profunda reflexão sobre seu próprio estilo de liderança. Você é um líder mais diretivo, que prefere dar instruções claras, ou mais colaborativo, que busca o consenso? Você prospera sob a pressão dos prazos ou prefere um planejamento meticuloso e estruturado? Não existe um estilo certo ou errado, mas a falta de consciência sobre suas próprias tendências pode gerar atritos e mal-entendidos. Um sócio que era um "lobo solitário" brilhante precisa aprender a delegar e a confiar no trabalho de seus associados, uma mudança que começa com o autoconhecimento.

Zhuo enfatiza que a comunicação eficaz é o pilar da gestão. Para um sócio-gestor, isso se desdobra em várias frentes. A primeira é a escuta ativa. Em um ambiente onde todos são treinados para argumentar e defender posições, a habilidade de ouvir genuinamente — para compreender as preocupações de um associado, as necessidades de um cliente ou as ideias de outro sócio — é rara e poderosa. A segunda frente é a transparência. É papel do gestor comunicar com clareza as metas do escritório, os critérios de avaliação de desempenho e as razões por trás das decisões estratégicas. Um ambiente onde a informação é retida gera incerteza e desconfiança, minando a coesão da equipe. Por fim, a comunicação deve ser adaptada. Um feedback para um advogado júnior recém-formado deve ser entregue de forma diferente de uma conversa estratégica com um advogado sênior. A capacidade de ajustar o tom e o canal de comunicação é uma marca de um gestor habilidoso.

Talvez a ferramenta mais poderosa e temida na caixa de ferramentas de um gestor seja o feedback. Zhuo desmistifica o processo, tratando-o como um presente essencial para o desenvolvimento. Em escritórios de advocacia, onde a crítica pode ser vista como um ataque pessoal, criar uma cultura de feedback construtivo é um desafio. O sócio-gestor deve liderar pelo exemplo, buscando ativamente feedback sobre sua própria atuação junto aos seus liderados, pares e superiores. Ao receber críticas, a postura deve ser de curiosidade, não de defensiva. Perguntas como "Pode me dar um exemplo específico?" ou "O que eu poderia ter feito de diferente?" abrem a porta para o aprendizado. Ao dar feedback, a abordagem deve ser igualmente cuidadosa: focar em comportamentos específicos e em seu impacto, em vez de fazer julgamentos sobre a pessoa. Em vez de dizer "Você é desorganizado", é mais eficaz dizer "Notei que o prazo para o protocolo daquela apelação foi perdido. Isso nos colocou em uma situação de risco. O que podemos fazer para garantir que os prazos sejam cumpridos no futuro?". O feedback deve ser equilibrado, reconhecendo os acertos (reforço positivo) e apontando as áreas de melhoria, e, acima de tudo, deve ser constante, não um evento isolado na avaliação anual de desempenho.

Um dos papéis centrais do gestor é cultivar uma cultura de equipe positiva, que, para Zhuo, é sinônimo de um ambiente psicologicamente seguro, diverso e inclusivo. Em um escritório de advocacia, isso significa criar um espaço onde um estagiário se sinta à vontade para fazer uma pergunta "básica" sem medo de parecer ignorante, e onde um associado possa discordar de uma estratégia proposta por um sócio sem receio de retaliação. A diversidade de perspectivas é um ativo estratégico. Uma equipe composta por advogados com diferentes origens, experiências e visões de mundo é mais capaz de antecipar os argumentos da parte contrária, de se conectar com um leque mais amplo de clientes e de encontrar soluções inovadoras para problemas complexos. O sócio-gestor tem a responsabilidade de promover ativamente essa diversidade e de garantir que todas as vozes sejam ouvidas e respeitadas.

Zhuo também dedica grande parte de seu livro à arte de definir metas claras. Um time sem metas claras é como um navio sem rumo. Para um escritório, isso significa traduzir a visão de longo prazo ("Ser a banca de referência em Direito Tributário no Nordeste") em objetivos específicos, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e com prazo definido (o conhecido método SMART). Por exemplo: "Aumentar o faturamento da área tributária em 20% nos próximos 12 meses, conquistando 5 novos clientes de grande porte na região". A partir dessa meta principal, o sócio-gestor deve desdobrá-la em responsabilidades individuais para cada membro da equipe, garantindo que todos entendam como seu trabalho contribui para o objetivo maior. Esse alinhamento gera propósito e foco, transformando o trabalho diário de uma série de tarefas desconexas em um esforço coordenado em direção a um fim comum.

O equilíbrio entre empatia e responsabilidade (accountability) é outro tema central. Um gestor eficaz se preocupa genuinamente com o bem-estar de seus liderados, entende suas dificuldades e oferece suporte. Essa é a empatia. Ao mesmo tempo, ele é responsável por garantir que o trabalho seja entregue com alta qualidade e dentro dos prazos. Essa é a responsabilidade. Um erro comum é pender demais para um dos lados. O gestor excessivamente empático pode ter dificuldade em ter conversas difíceis sobre baixo desempenho, prejudicando a equipe como um todo. O gestor focado apenas na responsabilidade pode criar um ambiente de trabalho tóxico e gerar alta rotatividade. O desafio, para o sócio-gestor, é saber ser solidário com o advogado que passa por um problema pessoal, ao mesmo tempo em que mantém o padrão de excelência exigido pelo cliente. É uma dança delicada, mas essencial.

Por fim, Zhuo reforça a ideia de que a gestão é uma jornada de aprendizado contínuo. A transição para um cargo de gestão não é um ponto de chegada, mas um ponto de partida. O sócio-gestor deve ler, participar de cursos, buscar mentores e, acima de tudo, aprender com seus próprios erros e acertos. Ele deve cultivar a humildade de reconhecer que não tem todas as respostas e a curiosidade para continuar se desenvolvendo não apenas como jurista, mas como líder.

"A Criação de um Gestor" é um manual indispensável para qualquer advogado que aspira a uma posição de liderança ou que já se encontra nela e busca aprimorar suas habilidades. As lições de Julie Zhuo, forjadas no ambiente dinâmico do Vale do Silício, são universalmente aplicáveis e ressoam profundamente com os desafios enfrentados nos escritórios de advocacia brasileiros. A mensagem final é clara: a gestão não é um talento inato, mas uma habilidade que pode e deve ser aprendida. Para o advogado que se dispõe a essa jornada, as recompensas vão muito além do sucesso financeiro: residem na satisfação de construir equipes de alta performance e de ajudar outros profissionais a alcançarem seu pleno potencial.

Comentários