"The Art of Thinking Clearly" de Rolf Dobelli para Advogados
A advocacia exige um raciocínio impecável. Aprenda com Rolf Dobelli a identificar e evitar os vieses cognitivos que sabotam suas decisões. Este guia adapta os conceitos de "A Arte de Pensar Claramente" para o contexto jurídico brasileiro.
A profissão jurídica é, em sua essência, um exercício contínuo de tomada de decisão sob pressão e incerteza. Desde a análise inicial de um caso até a sustentação oral perante um tribunal superior, o advogado é constantemente desafiado a pensar com clareza, lógica e precisão. No entanto, a mente humana, por mais treinada que seja, é suscetível a uma série de armadilhas e atalhos mentais. É sobre essas falhas sistemáticas do pensamento que se debruça o livro "The Art of Thinking Clearly" (publicado no Brasil como "A Arte de Pensar Claramente") de Rolf Dobelli. A obra é um compêndio de vieses cognitivos, heurísticas e falácias que distorcem nosso julgamento diariamente. A missão deste post é traduzir esses conceitos para o universo da advocacia no Brasil, demonstrando como a consciência dessas armadilhas pode transformar um bom advogado em um jurista excepcional.
Um dos vieses mais perniciosos e onipresentes na prática jurídica é o viés de confirmação. Trata-se da nossa tendência de interpretar novas informações de maneira que confirmem nossas crenças ou hipóteses preexistentes. Um advogado, ao construir a tese de defesa de seu cliente, pode inconscientemente buscar apenas as provas e os precedentes que corroboram sua narrativa, ignorando ou minimizando evidências contrárias. Ele pode, por exemplo, focar em um único julgado favorável do Tribunal de Justiça de São Paulo, desconsiderando uma dezena de decisões em sentido oposto do mesmo tribunal. Para combater esse viés, Dobelli sugere uma abordagem ativa: o advogado deve se transformar no seu próprio "advogado do diabo", buscando deliberadamente os fatos e os argumentos que enfraquecem sua posição. Somente ao confrontar a pior versão do caso da parte contrária é que se pode construir uma defesa verdadeiramente robusta.
Intimamente ligado ao viés de confirmação está o efeito de ancoragem. Nossa mente tende a se fixar na primeira informação que recebe ao tomar uma decisão. Em uma negociação de honorários, o primeiro valor colocado na mesa — seja pelo advogado ou pelo cliente — serve como uma âncora que influencia desproporcionalmente a negociação subsequente. Se um advogado inicia a conversa pedindo R$ 100.000,00, mesmo que o valor final seja R$ 70.000,00, a percepção de valor é muito diferente do que se a negociação começasse com uma proposta de R$ 50.000,00. Da mesma forma, em uma ação de indenização por danos morais, o valor da causa atribuído na petição inicial, por mais arbitrário que seja, pode ancorar a percepção do juiz sobre a magnitude do dano. A estratégia para mitigar esse efeito é estar ciente de sua existência e, sempre que possível, ser o primeiro a estabelecer a âncora em um patamar favorável, ou, ao se deparar com uma âncora desfavorável, conscientemente ignorá-la e reorientar a discussão para critérios objetivos de valoração.
Outra armadilha mental com implicações diretas para a advocacia é a falácia do custo afundado (sunk cost fallacy). Este viés nos leva a continuar investindo tempo, dinheiro ou esforço em um projeto simplesmente porque já investimos muito no passado, mesmo quando as perspectivas futuras são ruins. Quantos advogados persistem em um recurso fadado ao fracasso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) apenas porque "já chegamos até aqui" e investiram anos de trabalho no processo? A decisão racional não deve se basear nos custos irrecuperáveis do passado, mas sim em uma análise fria dos custos e benefícios futuros. Abandonar um caso ou uma linha de argumentação que se mostrou infrutífera não é um sinal de fracasso, mas de disciplina intelectual e alocação inteligente de recursos, que poderiam ser mais bem empregados em casos com maior probabilidade de êxito.
A aversão à perda é outro poderoso motor de decisões irracionais. Psicologicamente, a dor de perder R$ 1.000,00 é muito mais intensa do que o prazer de ganhar R$ 1.000,00. Esse viés pode levar advogados a serem excessivamente conservadores. Um advogado pode, por exemplo, recomendar que seu cliente aceite um acordo medíocre por medo de "perder tudo" em um julgamento, mesmo que as probabilidades de uma vitória substancial sejam altas. A aversão à perda nos faz preferir um ganho pequeno, mas certo, a uma chance de um ganho muito maior, e a aceitar um risco enorme para evitar uma perda pequena, mas certa. Para tomar decisões mais equilibradas, é crucial reenquadrar a situação, focando não apenas no que se pode perder, mas também no custo de oportunidade do que se deixa de ganhar ao não assumir um risco calculado.
O viés de retrospectiva (hindsight bias) é particularmente cruel com os advogados. Após o desfecho de um caso, tudo parece óbvio e previsível. "Era claro que o juiz ia decidir daquela forma", pensamos. Esse viés nos impede de aprender com os erros, pois nos faz acreditar que o resultado era inevitável, quando na verdade a decisão foi tomada em um cenário de grande incerteza. Para um sócio que avalia o desempenho de um associado, o viés de retrospectiva pode levar a julgamentos injustos sobre as estratégias adotadas durante o processo. A melhor maneira de combater esse viés é documentar o racional das decisões no momento em que são tomadas. Manter um diário do caso, registrando as premissas, as probabilidades estimadas e as razões para cada escolha estratégica, permite uma análise posterior muito mais justa e produtiva sobre o que realmente poderia ter sido feito de diferente.
Dobelli também alerta para o viés de autoridade e a prova social. Tendemos a confiar excessivamente na opinião de especialistas e a seguir o comportamento da maioria. Na advocacia, isso se manifesta na aceitação acrítica de uma tese defendida por um jurista renomado (autoridade) ou na adoção de uma linha de argumentação simplesmente porque "todos os escritórios estão fazendo assim" (prova social). Um advogado que pensa com clareza, no entanto, questiona a autoridade e desafia o consenso. Ele analisa os fundamentos da tese do jurista e avalia se a estratégia da maioria é realmente a mais adequada para o caso específico de seu cliente. A independência intelectual é uma marca registrada do jurista excepcional.
Por fim, a falácia do jogador pode parecer distante da advocacia, mas suas implicações são sutis. Este viés é a crença de que eventos aleatórios passados influenciam resultados futuros. Após uma série de decisões desfavoráveis de um determinado juiz, um advogado pode sentir que "agora a sorte tem que virar" e que a próxima decisão será favorável, uma crença sem qualquer fundamento lógico. Cada ato judicial é, em grande medida, um evento independente. Confiar na "lei das médias" para reverter uma maré de azar é uma perigosa ilusão que pode levar a um otimismo injustificado e a uma má preparação para o cenário mais provável.
Dominar "A Arte de Pensar Claramente" para um advogado não é um exercício acadêmico, mas uma necessidade prática. Significa reconhecer que nosso cérebro, a principal ferramenta do nosso ofício, vem com "defeitos de fábrica". Ao tomar consciência desses vieses — o de confirmação, o de ancoragem, o do custo afundado, a aversão à perda, o de retrospectiva, o de autoridade, a prova social e tantos outros — o advogado brasileiro pode começar a desenvolver mecanismos de defesa. Pode criar checklists para forçar a consideração de evidências contrárias, pode estabelecer regras para abandonar projetos sem futuro e pode cultivar o hábito de questionar as próprias certezas. Em uma profissão onde a qualidade do pensamento define o resultado, pensar com clarear não é apenas uma arte, é a própria essência da advocacia de excelência.