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"Setting the Table" de Danny Meyer para Advogados

No universo jurídico, a excelência técnica é o ponto de partida, não o de chegada. Danny Meyer, em "Setting the Table", ensina que a hospitalidade é o verdadeiro diferencial. Este post traduz essa filosofia para a advocacia, mostrando como construir escritórios de sucesso.

Em um mercado jurídico cada vez mais competitivo e comoditizado, onde a excelência técnica é pressuposta e a informação está a um clique de distância, o que realmente diferencia um escritório de advocacia de outro? A resposta, surpreendentemente, pode não estar nos tratados de Direito ou na complexidade das teses jurídicas, mas em um conceito aparentemente simples e muitas vezes negligenciado: a hospitalidade. É essa a provocação central de Danny Meyer, um dos mais aclamados restaurateurs do mundo, em sua obra-prima "Setting the Table: The Transforming Power of Hospitality in Business" (publicado no Brasil como "Hospitalidade e Negócios"). Meyer argumenta que, em qualquer negócio, o serviço é o que você faz para alguém, enquanto a hospitalidade é como você faz essa pessoa se sentir. Para a advocacia brasileira, essa distinção é revolucionária. Ela propõe uma mudança de paradigma: de prestadores de serviços jurídicos para anfitriões de uma experiência que gera confiança, lealdade e, em última análise, resultados extraordinários. Este post se aprofunda na filosofia de Meyer, traduzindo seus princípios para a realidade dos escritórios de advocacia e mostrando como a "hospitalidade esclarecida" pode ser o ingrediente secreto para construir uma prática jurídica não apenas bem-sucedida, mas verdadeiramente memorável.

A pedra angular da filosofia de Meyer é o que ele chama de "hospitalidade esclarecida", um conceito que inverte a tradicional hierarquia de prioridades nos negócios. Em vez de colocar o cliente em primeiro lugar, Meyer defende que a equipe interna deve ser a prioridade máxima. A lógica é impecável: uma equipe que se sente cuidada, valorizada e engajada transbordará esse sentimento positivo para cada interação com o cliente. No contexto de um escritório de advocacia, isso significa ir muito além de salários competitivos e benefícios. Significa criar uma cultura onde advogados associados, estagiários e a equipe administrativa se sintam genuinamente parte de uma missão. Um sócio-gestor que pratica a hospitalidade esclarecida investe no desenvolvimento de seus advogados, oferece mentoria, cria canais abertos para feedback (mesmo que críticos) e celebra as vitórias, tanto as grandes quanto as pequenas. Ele entende que o advogado júnior que hoje se sente apoiado e inspirado será o profissional que amanhã defenderá o cliente com uma garra e uma dedicação que não podem ser simplesmente ordenadas. O ciclo virtuoso é claro: colaboradores felizes geram clientes felizes, que por sua vez geram um negócio saudável, que pode reinvestir em seus colaboradores. A hospitalidade começa de dentro para fora.

Outro princípio fundamental é a "Regra dos 51%". Ao contratar, Meyer busca 49% de competência técnica e 51% de inteligência emocional. Ele argumenta que habilidades técnicas podem ser ensinadas, mas qualidades como otimismo, curiosidade, empatia, autoconsciência e integridade são muito mais difíceis de desenvolver. Traduzindo para a advocacia: de que adianta contratar o advogado com o currículo mais brilhante da faculdade de Direito se ele não consegue se conectar com o cliente, ouvir suas angústias com empatia ou colaborar efetivamente com os colegas? O advogado "51%" é aquele que, além de dominar a técnica jurídica, sabe ler a sala, acalmar um cliente ansioso antes de uma audiência, negociar com a parte contrária de forma firme, mas respeitosa, e inspirar confiança. Ao montar uma equipe, o sócio-gestor deve, portanto, olhar além das notas e dos títulos. Deve fazer perguntas que revelem o caráter do candidato: "Conte-me sobre uma vez em que você recebeu um feedback difícil e como reagiu" ou "Descreva uma situação em que você teve que lidar com um colega de equipe complicado". A construção de um escritório de advocacia de elite começa com a seleção de pessoas que possuem o "gene da hospitalidade".

Meyer também introduz o conceito de "coletar e distribuir os pontos". Isso significa estar constantemente atento aos pequenos detalhes sobre os clientes e usar essa informação para criar experiências personalizadas e memoráveis. Em um restaurante, isso pode ser lembrar que um cliente prefere água com gás ou que está comemorando um aniversário. Na advocacia, as oportunidades são ainda mais ricas. Um advogado que "coleta os pontos" anota que o filho de um cliente empresário está prestando vestibular para medicina. Meses depois, ao encontrar o cliente, ele não pergunta genericamente "como vai a família?", mas sim "E então, seu filho passou em medicina?". Essa simples demonstração de que ele estava ouvindo e se importa cria uma conexão humana que transcende a relação profissional. Outro exemplo: um advogado percebe que um cliente do agronegócio está sempre preocupado com as oscilações do dólar. Proativamente, ele pode enviar um breve e-mail com um artigo relevante sobre o impacto do câmbio no setor, com uma nota pessoal: "Lembrei de nossa conversa e achei que isso poderia interessá-lo". Esses gestos, que não podem ser faturados em horas, são os que constroem um relacionamento de longo prazo e transformam clientes em verdadeiros embaixadores da marca do escritório.

Para manter esse alto padrão de excelência, Meyer utiliza o que chama de "pressão constante e gentil". Não se trata de microgerenciamento ou de uma cultura de medo, mas de uma liderança persistente que continuamente reforça os valores e os padrões do escritório. É o sócio sênior que, ao revisar a peça de um advogado mais jovem, não apenas corrige os erros, mas explica o porquê das correções, ensinando o raciocínio por trás da excelência. É a implementação de checklists para procedimentos complexos, como uma due diligence em uma fusão e aquisição, não para tolher a criatividade, mas para garantir que nenhum detalhe crucial seja esquecido. É a realização de reuniões de "pós-mortem" após a conclusão de um grande caso, não para apontar culpados, mas para perguntar coletivamente: "O que aprendemos? O que poderíamos ter feito melhor? Como podemos aplicar esse aprendizado no próximo caso?". Essa pressão gentil e constante eleva o padrão de todo o time, criando uma cultura de melhoria contínua que é sentida pelo cliente em cada interação.

Finalmente, a filosofia de Meyer nos ensina a abraçar os erros como oportunidades. Em um ambiente de alta performance como um restaurante estrelado ou um escritório de advocacia de ponta, erros são inevitáveis. Um prazo pode ser perdido, uma cláusula contratual pode ser mal redigida, uma comunicação com o cliente pode falhar. A diferença, segundo Meyer, está na resposta. A abordagem tradicional é esconder o erro ou encontrar um culpado. A abordagem da hospitalidade esclarecida é o que ele chama de "recuperação atlética". Primeiro, reconhecer o erro imediatamente e pedir desculpas sinceras ao cliente. Segundo, resolver o problema de forma rápida e eficaz. Terceiro, fazer algo a mais, um gesto inesperado para compensar o transtorno – o que Meyer chama de "escrever um ótimo último capítulo". Para um advogado, isso pode significar, após resolver o problema, oferecer uma hora de consultoria gratuita sobre um tema relacionado ou enviar um presente simbólico. Essa atitude não apenas neutraliza a experiência negativa, mas muitas vezes a transforma em uma demonstração poderosa do compromisso do escritório com o cliente, fortalecendo a lealdade de uma forma que a perfeição jamais conseguiria. Ao transformar erros em momentos de conexão, o escritório demonstra que seu valor mais profundo não é ser infalível, mas ser incansavelmente dedicado ao bem-estar de seu cliente.

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