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"Conversational Intelligence" de Judith Glaser para Advogados

A advocacia é a arte da palavra. Descubra com Judith Glaser como a neurociência das conversas pode transformar sua prática. Aprenda a construir confiança, elevar o nível do diálogo e usar a Inteligência Conversacional para obter resultados extraordinários com clientes, juízes e colegas no Brasil.

No coração da advocacia, antes dos códigos e das petições, reside a mais fundamental das ferramentas humanas: a conversa. É através do diálogo que o advogado compreende a dor de seu cliente, negocia com a parte contrária, persuade o julgador e colabora com sua equipe. No entanto, raramente paramos para analisar a estrutura e a neurociência por trás dessas interações. É exatamente essa lacuna que a obra "Conversational Intelligence" (publicada no Brasil como "Inteligência Conversacional") da antropóloga organizacional Judith Glaser, busca preencher. Glaser nos ensina que a qualidade de nossas conversas define a qualidade de nossos relacionamentos e, por consequência, a qualidade de nossos resultados. A missão deste post é traduzir os poderosos insights da autora para a realidade do advogado brasileiro, demonstrando como a maestria na arte da conversa é um diferencial competitivo decisivo no mercado jurídico atual.

Glaser introduz o conceito de que cada conversa cria uma "realidade conversacional" compartilhada. As palavras trocadas não são meras informações; elas liberam hormônios em nossos cérebros que moldam nossas percepções, emoções e ações futuras. O fator determinante para a qualidade dessa realidade é a confiança. Em um ambiente de baixa confiança, o cérebro primitivo é ativado, liberando cortisol, o hormônio do estresse. Isso nos torna defensivos, fechados e focados em proteger nosso ponto de vista. Pense em uma audiência de instrução tensa, onde o advogado da parte contrária faz uma pergunta agressiva. O cérebro da testemunha é inundado por cortisol, sua memória pode falhar e sua capacidade de se expressar claramente é reduzida. A conversa se torna um campo de batalha, não um instrumento para a busca da verdade. A desconfiança entre as partes em uma negociação complexa de fusão e aquisição também eleva o cortisol, fazendo com que todos se apeguem às suas posições e escondam informações, dificultando ou até inviabilizando o acordo.

Por outro lado, em um ambiente de alta confiança, o cérebro libera oxitocina, o "hormônio da conexão". A oxitocina promove empatia, colaboração e a disposição para ouvir e compartilhar. É o que acontece em uma primeira reunião bem-sucedida com um novo cliente. Quando o advogado pratica a escuta ativa, valida as preocupações do cliente e demonstra empatia genuína, ele cria um ambiente de segurança psicológica. O cliente, sentindo-se seguro, compartilha detalhes cruciais do caso que talvez omitisse em um ambiente de desconfiança. Essa abertura permite ao advogado construir uma estratégia jurídica muito mais sólida. Para o advogado brasileiro, o desafio é se tornar um arquiteto de conversas que intencionalmente promovam a liberação de oxitocina e minimizem a de cortisol, seja na interação com clientes, na gestão de sua equipe ou mesmo na relação com o Judiciário.

Glaser propõe uma hierarquia de três níveis de conversa, um mapa para diagnosticar e elevar a qualidade de nossas interações. O Nível I é o Transacional, focado na troca de informações. É a conversa com o escrevente do cartório para saber o andamento de um processo ou o e-mail para um cliente confirmando o protocolo de uma petição. São conversas necessárias, mas que não constroem relacionamentos nem geram grandes insights. O Nível II é o Posicional, onde o objetivo é defender e persuadir. Aqui, cada um tem seu ponto de vista e tenta convencer o outro. É o nível da maioria dos debates, das sustentações orais e das negociações. Embora essencial na advocacia, o risco do Nível II é que ele pode facilmente degenerar em um confronto de egos, ativando o cortisol e fechando a porta para soluções criativas. É a disputa entre sócios sobre qual área do direito o escritório deve investir, com cada um defendendo sua posição sem verdadeiramente ouvir o outro.

O ápice da Inteligência Conversacional é o Nível III, o Transformacional. Neste nível, o foco muda de "eu" para "nós". O objetivo não é mais vencer um argumento, mas co-criar uma nova realidade. Conversas transformacionais são caracterizadas pela curiosidade genuína, pela vulnerabilidade e pela busca de um entendimento compartilhado. É o sócio gestor que, em vez de impor uma nova política de home office, inicia um diálogo com a equipe perguntando: "Como podemos criar juntos um modelo de trabalho flexível que atenda tanto às necessidades do escritório quanto à qualidade de vida de cada um?". É o mediador que, em uma complexa disputa de inventário, ajuda os herdeiros a irem além de suas posições e a descobrirem seus interesses e medos subjacentes, co-criando uma solução que ninguém havia imaginado. Para o advogado, a habilidade de conduzir conversas do Nível II para o Nível III é o que diferencia um mero operador do direito de um verdadeiro conselheiro estratégico.

A transição para conversas de Nível III depende de ferramentas específicas. A primeira é a escuta ativa, que vai além de simplesmente esperar a sua vez de falar. É ouvir para compreender, prestando atenção não apenas às palavras, mas também às emoções e às pistas não-verbais. A segunda é a formulação de perguntas abertas e instigantes. Em vez de perguntar a um cliente "O senhor assinou o contrato?" (pergunta fechada, de Nível I), o advogado de Nível III pergunta: "Pode me contar como foi o dia em que o contrato foi discutido?". Essa pergunta abre espaço para a narrativa, para a descoberta de nuances e para a construção de confiança. A terceira ferramenta é a agilidade conversacional, a capacidade de adaptar seu estilo de comunicação ao contexto e à pessoa com quem se interage, sabendo quando ser direto, quando ser empático, quando falar e, crucialmente, quando ficar em silêncio.

Judith Glaser também destaca a importância de rituais conversacionais para fortalecer a confiança e a conexão em um escritório de advocacia. Rituais são práticas consistentes que reforçam a cultura desejada. A prática de iniciar reuniões de equipe com um "check-in" rápido, onde cada um compartilha brevemente como está se sentindo, não é perda de tempo; é um ritual que humaniza as relações e aumenta a segurança psicológica. Realizar uma "rodada de apreciação" ao final de um projeto importante, onde cada membro da equipe agradece a contribuição de um colega, é um ritual que libera oxitocina e fortalece o espírito de equipe. Da mesma forma, estabelecer um ritual de "pós-mortem" sem culpa após a perda de um caso relevante, focando no aprendizado e não na busca por culpados, cria uma cultura de melhoria contínua.

Em última análise, a Inteligência Conversacional é a base da liderança conversacional. O sócio-líder que domina essa competência é aquele que cria um ambiente de alta segurança psicológica, onde os advogados associados não têm medo de admitir erros, de fazer perguntas ou de desafiar o status quo com novas ideias. Ele demonstra vulnerabilidade, ouve mais do que fala e entende que seu papel não é ter todas as respostas, mas sim fazer as perguntas certas para que a equipe encontre as melhores soluções. Ele sabe que a cultura de um escritório de advocacia não é definida por memorandos ou manuais, mas pela qualidade das conversas que acontecem todos os dias em seus corredores, salas de reunião e audiências.

Para o advogado brasileiro, imerso em um ambiente competitivo e muitas vezes adversarial, os ensinamentos de Judith Glaser são um convite para redescobrir o poder da palavra. Não a palavra usada como arma em um debate posicional, mas a palavra usada como ponte para a compreensão, a confiança e a co-criação. Dominar a Inteligência Conversacional é a chave para construir relacionamentos mais profundos com clientes, para liderar equipes mais engajadas e inovadoras e para encontrar soluções jurídicas mais criativas e eficazes. É, em suma, o caminho para transformar a prática da advocacia de uma série de transações para uma jornada de transformações.

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