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"Co-Intelligence" de Ethan Mollick para Advogados

A inteligência artificial não é mais uma promessa distante, mas uma realidade que transforma a advocacia. Em "Cointeligência", Ethan Mollick ensina que o futuro não é sobre competir com a IA, mas colaborar com ela. Descubra como advogados podem usar a IA como uma parceira estratégica para inovar.

No epicentro da maior transformação tecnológica de nossas vidas, a advocacia, uma profissão alicerçada na tradição e no intelecto humano, encontra-se diante de um ponto de inflexão. A inteligência artificial (IA) generativa deixou de ser um conceito abstrato para se tornar uma ferramenta onipresente, gerando tanto entusiasmo quanto apreensão. É neste cenário que a obra "Co-Intelligence: Living and Working with AI" (lançada no Brasil como "Cointeligência: A vida e o trabalho com IA"), do professor de Wharton, Ethan Mollick, surge como um guia pragmático e essencial. Mollick descarta a narrativa distópica da substituição do homem pela máquina e propõe uma visão mais otimista e poderosa: a da colaboração. Para o advogado brasileiro, imerso em um sistema complexo e competitivo, a mensagem é clara: o futuro da profissão não pertence àqueles que resistem à IA, mas àqueles que aprendem a "dançar" com ela, transformando-a em uma parceira estratégica para potencializar a criatividade, a eficiência e a entrega de valor.

A tese central de Mollick é que a IA não deve ser vista como uma concorrente, mas como uma "cointeligência", uma extensão de nossas próprias capacidades. Para a advocacia, isso representa uma mudança de paradigma. A pesquisa jurisprudencial, que antes consumia dias de um estagiário ou advogado júnior, pode agora ser realizada em minutos por uma IA, que é capaz de analisar milhares de decisões e identificar padrões que um ser humano jamais conseguiria. A elaboração de minutas de contratos, petições iniciais ou recursos, tarefas que demandam horas de trabalho, pode ser acelerada drasticamente, com a IA gerando uma primeira versão robusta que o advogado então refina com seu conhecimento técnico e sua visão estratégica. O advogado deixa de ser um mero executor de tarefas repetitivas para se tornar um curador, um estrategista e um supervisor de alta performance, focando seu tempo e energia naquilo que a máquina não pode fazer: construir um relacionamento de confiança com o cliente, desenvolver uma tese jurídica inovadora, e argumentar com persuasão em uma audiência ou sustentação oral.

Mollick enfatiza a importância do "letramento em IA" (AI literacy), que não se confunde com a necessidade de aprender a programar. Trata-se da habilidade de interagir com os modelos de linguagem de forma eficaz, de fazer as perguntas certas e de avaliar criticamente as respostas. Para um advogado, isso significa aprender a arte do "prompt engineering", a engenharia de comandos. Um comando vago como "elabore uma petição sobre responsabilidade civil" gerará um resultado genérico e inútil. Um comando preciso como "Atuando como um advogado especialista em direito do consumidor no Brasil, elabore uma petição inicial para uma ação de indenização por danos morais e materiais, com base no artigo 14 do CDC, contra a companhia aérea X, devido ao cancelamento de voo sem aviso prévio, resultando na perda de um compromisso profissional importante para o cliente. Inclua jurisprudência recente do TJSP sobre o tema e fundamente o dano moral em, no mínimo, 10 salários mínimos" produzirá um ponto de partida infinitamente mais valioso. O advogado do futuro é aquele que sabe dialogar com a IA, fornecendo o contexto jurídico, os fatos específicos e as nuances do caso para extrair o máximo de sua capacidade.

No entanto, essa colaboração exige uma postura de ceticismo saudável. Mollick adverte sobre as "alucinações" da IA, a tendência dos modelos de inventar fatos, citações e até mesmo precedentes judiciais com uma confiança alarmante. Para o advogado, a consequência de apresentar uma jurisprudência inexistente em um processo é devastadora. Portanto, a verificação humana é inegociável. A IA é uma estagiária brilhante, mas inexperiente e, por vezes, irresponsável. Cabe ao advogado sênior, com sua experiência e seu senso crítico, revisar cada informação, checar cada fonte e garantir a precisão e a veracidade de tudo o que é produzido. A responsabilidade final pela peça processual, pelo parecer ou pelo contrato é e sempre será do profissional humano.

A implementação da cointeligência nos escritórios de advocacia demanda uma transformação cultural liderada pelos sócios. É preciso superar o medo da substituição e promover um ambiente de experimentação e aprendizado contínuo. Os escritórios que prosperarão serão aqueles que investirem no treinamento de suas equipes, não apenas no uso de softwares específicos, mas na mentalidade de colaboração com a IA. Isso pode envolver a criação de "laboratórios de inovação" internos, onde os advogados possam testar novas ferramentas e compartilhar as melhores práticas, ou a promoção de workshops sobre engenharia de prompts aplicada ao direito. A liderança deve comunicar uma visão clara de que a IA é uma ferramenta para empoderar os advogados, não para substituí-los, permitindo que eles se dediquem a um trabalho mais sofisticado, estratégico e gratificante.

As considerações éticas são, naturalmente, um pilar fundamental nesta nova era. A confidencialidade dos dados dos clientes é primordial, e os escritórios devem garantir que as plataformas de IA utilizadas ofereçam a segurança necessária, preferencialmente em ambientes fechados que não utilizem as informações para treinar o modelo público. Além disso, a questão do viés algorítmico é crítica. Se uma IA for treinada predominantemente com decisões de uma determinada corrente jurisprudencial, ela pode perpetuar e amplificar esses vieses, ignorando teses minoritárias ou inovadoras. O advogado, como guardião da justiça, tem o dever de utilizar a IA de forma a promover a equidade, e não para reforçar preconceitos existentes no sistema.

Em suma, "Cointeligência" oferece um roteiro para a advocacia navegar a revolução da IA não como uma vítima, mas como uma protagonista. A mensagem de Ethan Mollick é um chamado para que os advogados brasileiros abracem a curiosidade, desenvolvam novas habilidades e reimaginem suas práticas de trabalho. A questão não é mais se a IA vai transformar o direito, mas como os advogados irão se posicionar nessa transformação. Aqueles que enxergarem a IA não como uma ameaça ao seu intelecto, mas como uma parceira para sua inteligência, estarão não apenas preparados para o futuro, mas estarão ativamente construindo-o.

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